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Cuidando da sua saúde mental em tempos de COVID-19

Coluna Farol - 27 de abril de 2020

O ser humano é, por natureza, social. Por conta da pandemia do novo coronavírus que assolou o mundo, estamos tendo que nos adaptar. O isolamento é uma ação importante para vencermos essa pandemia: por meio dele podemos reduzir a velocidade de contágio e impedir que nosso sistema de saúde fique sobrecarregado.

Não bastasse a falta de contato social, o vírus e o isolamento ainda trazem outros estressores, como a preocupação com os parentes e conhecidos, o fato de que pode ser preciso fazer home office com as crianças em casa, e o estresse financeiro - seja por falta de trabalho para autônomos, por demissão, por redução de horas ou salário ou até mesmo por não poder parar de trabalhar presencialmente e ter medo de se infectar. Não bastassem esses problemas, o fato de que o mundo inteiro está tendo que lidar com o vírus e sua onipresença na mídia acaba fazendo com que tenhamos que nos confrontar com nossa própria mortalidade.

Alguns grupos estão mais vulneráveis aos efeitos biológicos e sociais dessa pandemia: idosos, pessoas com doenças crônicas, profissionais de saúde e populações carentes que vivem em condições em que não é possível realizar as práticas de higienização e isolamento de forma adequada, e que irão, ainda, sofrer de forma mais pronunciada as consequências econômicas dessa crise. E, mesmo para quem não faz parte desses grupos, ainda há risco e a situação atual pode não ser fácil.

A maior parte das pesquisas sobre os impactos psicológicos do isolamento em epidemias estudaram situações de quarentena de pessoas já infectadas, mas ainda assim podem ser esclarecedoras para a situação que estamos vivendo. Uma pesquisa feita em Toronto em 2014 sobre efeitos psicológicos da quarentena em pessoas infectadas pelo vírus do SARS, que é da mesma família que o COVID-19, descobriu que sintomas de estresse pós-traumático foram reportados por cerca de 30% cento dos respondentes, e o mesmo valia para sintomas de depressão.

Outras pesquisas com pacientes infectados em quarentena também listam como estressores: confusão, raiva, medo de infecção, frustração, tédio, falta de suprimentos ou inadequação de informação (como notícias falsas ou informação de diferentes níveis do governo emitidas de modo descoordenado, dando indicações diferentes), perda financeira e estigma em relação aos infectados. Pessoas com um histórico de doenças mentais podem estar mais vulneráveis aos efeitos psicológicos negativos do isolamento.

Outros fatores estressores são a duração da quarentena - que pode piorar os sintomas psicológicos quanto mais longa for - e conhecer ou se expor a alguém infectado. Entre os sintomas se encontram perturbação emocional, depressão, estresse, insônia, sintomas de estresse pós-traumático, raiva, exaustão emocional e principalmente baixos níveis de humor e irritabilidade. Foram encontrados sintomas depressivos e de estresse pós-traumático mais intensos em pessoas de baixa renda. Emoções comuns vivenciadas na quarentena, ainda segundo pesquisas, variam entre medo, nervosismo, tristeza, culpa e luto. Emoções positivas, como felicidade e alívio, são mais raras.


As pesquisas indicam que, durante a quarentena, o melhor modo de lidar com a situação é quando a população tem informações - uma população que possui um entendimento da doença e das razões da quarentena ou isolamento está mais equipada para agir e tem mais chances de ter menos efeitos psicológicos negativos, uma vez que a situação é vista como algo altruísta pelo bem comum e não uma imposição de restrição da liberdade. Portanto é importante que as recomendações de segurança e higiene feitas por especialistas sejam seguidas, e faz parte também manter a calma e informar as pessoas em relação a notícias falsas e alarmistas.

Quando o isolamento acabar, ainda vai demorar um tempo para as coisas voltarem ao normal. A economia vai demorar para aquecer, as dificuldades financeiras podem persistir por um tempo, levando talvez até há uma dependência da família para algumas pessoas; pode ocorrer perda do trabalho ou perda ou enfraquecimento da rede social de amigos, que provêm apoio emocional, devido ao período de isolamento. Então, mesmo depois que acabar, os efeitos do isolamento ainda poderão causar desconforto psicológico. Porém, até que termine, ainda não sabemos quanto tempo o isolamento durará, e sua duração influencia nos sintomas psicológicos negativos, além da incerteza de não haver um prazo definido, que contribui para sentimentos de frustração.

Cuidando dos doentes, num papel fundamental neste momento, os profissionais de saúde se encontram na linha de frente, podendo entrar em contato com muitos infectados. Esse fator acaba tendo impactos em sua saúde mental: em situações de epidemia eles são expostos a riscos, ficam sobrecarregados e têm a preocupação com o risco de contaminar a si mesmos e ao próximo. Pode também haver uma queda na moral se eles passarem a ter que cuidar de colegas de trabalho infectados. Com relação a esse grupo, durante epidemias, foram encontrados sintomas de estresse, exaustão, ansiedade, irritabilidade, insônia, falta de concentração, pior capacidade de tomar decisões, pior performance no trabalho e relutância em trabalhar. É importante que após a epidemia tomem-se os cuidados necessários para a saúde mental e física desses profissionais. Não obstante seu papel crucial em momentos como esse, profissionais de saúde podem ser estigmatizados e até hostilizados em público, devido a um pensamento de que se a pessoa está com um jaleco na rua e é um profissional de saúde deve ter a doença e vai passar para as pessoas ao redor.

E você, o que pode fazer nessa quarentena para mitigar os efeitos negativos?

Não adianta nada ignorar o que está acontecendo no país e no resto do mundo, ou na sua cidade, mas também não adianta ficar dando tanta atenção às notícias que toda sua energia seja direcionada a se preocupar em vez de fazer o que está sob seu controle. É tentador querer saber mais sobre essa ameaça desconhecida, e o ambiente saturado de notícias da internet dá asas a essa curiosidade em relação ao vírus e a aspectos relacionados à pandemia. Entretanto, é preciso tomar cuidado e reconhecer quando se está lendo demais sobre o assunto, quando essa informação não vai servir para direcionar suas ações, mas apenas para saciar sua vontade de saber o que está acontecendo e tentar acalmar a ansiedade, embora você possa acabar ficando ainda mais ansioso. Deixar as notícias de lado de vez em quando pode ser aconselhável - nem tudo que você lê vai servir para guiar suas ações, você não vai estar se divertindo ou se distraindo, e elas podem acabar levando a um estado de desespero e desamparo. O ideal é manter a calma, mas também se preocupar para fazer o necessário, sabendo que as coisas não continuam na normalidade de antes.

As demandas psicológicas podem ser diferentes e mais intensas no isolamento, e exigir um cuidado especial para tentar conter os efeitos adversos da falta de contato social e as preocupações com a situação. A sensação de perda de controle, de perda de papéis, como o de trabalhador ou provedor, pode afetar a dignidade e a autoestima; a preocupação consigo e com os parentes, a separação das pessoas queridas, a incerteza, a falta de autonomia, os hábitos e rotinas interrompidos, a ansiedade e o tédio: há muitas coisas fora do nosso controle e o isolamento nos força a confrontar esse fato; nós não podemos nem sair de casa, como sempre fizemos. Porém, em toda situação é importante separar o que podemos e o que não podemos controlar, agir sobre o que podemos e aceitar o que não podemos.

Pesquisas indicam que, durante epidemias, estratégias de enfrentamento de estresse adotadas por profissionais de saúde incluíam se valer do humor ou da religião. Isto também pode ser válido para o isolamento. Existem várias estratégias para lidar com o estresse e há também psicólogos realizando atendimentos gratuitos remotamente devido à pandemia.

De forma mais prática, as saídas devem ser restritas apenas para situações que sejam essenciais, como comprar comida no mercado ou remédios na farmácia, e trabalhar para quem não pode fazer home office ou não foi dispensado. Essas considerações práticas exigem certo planejamento e logística, para saber o que é preciso comprar e se preparar para um período de tempo sem sair de casa para não se expor a riscos, mas sem excessos na hora de comprar que comprometam o próximo, tentando estocar mais do que a necessidade e causando escassez nos mercados. Também se deve atentar para as medidas de higiene ao sair e voltar de casa, e com relação às coisas trazidas de fora ou que tiveram contato com o ambiente exterior, já que o vírus pode viver por dias em superfícies. A recomendação é que se higienize tudo trazido de fora, que a roupa usada para sair seja colocada para lavar e que se tome um banho - para não arriscar contaminar o interior da casa com o vírus trazido do exterior.

Se seu sono ou sua alimentação estiverem desregulados devido à adaptação à nova situação, tomar medidas para tentar colocá-los em ordem, como estabelecer uma rotina ou fazer exercícios, pode ajudar. Já para combater o tédio, há muitas opções para se manter ocupado, inclusive aproveitar a onda de serviços gratuitos disponibilizados na internet e aprender algo novo, ou aproveitar para brincar com os filhos, ou ler um livro que se estava adiando. Mas também não precisa ficar culpado se você achou que ia conseguir fazer tudo que não fez até agora na quarentena e se frustrar.

Parte dos efeitos negativos do isolamento na vida social podem ser remediados com a tecnologia - faça contato com os amigos e familiares, jogue um jogo pela internet, troque informações e dicas para o isolamento, combine de assistir alguma coisa juntos - ainda que separados. Manter o contato com as pessoas é importante quando se perde a proximidade do dia a dia. Porém, embora a internet possa nos proporcionar esse contato com outras pessoas e diversas opções de lazer, qualquer coisa em excesso é ruim e com ela não é diferente - é bom tomar cuidado para não abusar e ficar apenas nas redes sociais ou em sites de vídeo e descuidar de outras áreas da vida, principalmente para quem tem mais tempo livre devido ao isolamento.

Não sabemos quanto tempo o isolamento vai durar ao certo, e pode ser que o vírus continue sendo assunto mesmo depois que ele acabar - a previsão para que surja uma vacina varia entre 12 e 18 meses, então também é importante ter em mente essas informações para lidar com as ansiedades decorrentes. Entretanto, embora o COVID-19 seja um coronavírus novo, estudos para entendê-lo estão sendo feitos em tempo recorde, e resta à população fazer sua parte para controlar o contágio dessa pandemia. Mas, no meio tempo, é importante saber dos perigos para a saúde mental e saber como lidar com eles.

Fontes

Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet.

Hawryluck, L., Gold, W. L., Robinson, S., Pogorski, S., Galea, S., & Styra, R. (2004). SARS control and psychological effects of quarantine, Toronto, Canada. Emerging Infectious Diseases, 10(7), 1206.

Vinícius Pereira Mancebo Gomez é psicólogo formado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e atualmente faz especialização em Psicologia Clínica Hospitalar no Incor, do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Nas horas vagas gosta de ler, programar e tocar violão. CRP 06/158697

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