Coluna Pensar - Terça -feira, 17 de março de 2020
por Viviane Pereira (Lapidando Palavras)
“A única coisa que você leva da vida, é a vida que você leva”. A frase, do pensador gaúcho Aparício Torelly, com a qual o professor, filósofo e escritor dr. Mario Sergio Cortella revela gostar de terminar alguns livros, foi escolhida para abrir esse texto por trazer, em sua essência, muito do tema da entrevista que fala sobre a relação entre o propósito e a felicidade. “Essa é a condição de quem precisa e deseja ir numa força de vida que seja mais exuberante”, avisa Cortella. A Coluna Pensar, faz parte de um conjunto de leituras direcionadas ao aumento da conscientização sobre Saúde Sustentável, somando as incríveis histórias de mulheres que mudam o rumo da vida de tantos, através de ações e exemplos da Coluna Plural e as pitadas sobre nossas emoções da Coluna Farol.
Nessa conversa, o professor Cortella destaca como o propósito é o grande horizonte e o único aliado na busca por uma vida com mais felicidade, “porque não existe possibilidade de que se vá vivendo de modo robótico, automático”. Também explica, com exemplos, como a felicidade está ao alcance de todos e que para cultivá-la precisamos de ações cotidianas.

Viviane Pereira – Qual a ligação que existe entre propósito, felicidade, compaixão e ajuda ao próximo?
Mario Sergio Cortella – Se nós entendermos a felicidade como sendo uma vibração intensa da vida em alguns momentos, aquilo que mais permite que esses momentos tenham eclosão, que eles venham à tona, é exatamente que a gente tenha uma vida que sirva, e não uma vida que apenas se sirva; isto é, que a vida não se esgote dentro da própria pessoa, que seja capaz, acima de qualquer coisa, de se repartir.
Por isso, o propósito é um grande horizonte para fazer com que a vibração possível da vida em alguns momentos e com intensidade, que gera momentos de felicidade, que essa capacidade de se repartir se coloque exatamente nesse polo da força, que dando vitalidade à pessoa faz com que haja a construção do propósito.
Cada povo tem uma cultura e a felicidade pode ser influenciada pelo ambiente em que a pessoa está inserida. O brasileiro tem uma ligação forte com o propósito, o olhar amplificado para o próximo, para ter felicidade na sua vida?
Embora não dê para falar do brasileiro ou da brasileira de um modo genérico, porque nós somos muitos e variados, e de várias origens, ainda assim a gente identifica um pouco do que se chamaria de brasilidade, um crescimento maior da noção de propósito coletivo e não apenas a realização individual.
Ao final, esse mundo de intercomunicação, de interdependência e até de perturbações na nossa convivência no cotidiano vem trazendo essa possibilidade de uma urgência em que a gente como nação seja capaz de deixar de lado uma crença absolutamente perigosa, que é ‘cada um por si e Deus por todos’ e passe a adotar uma perspectiva unitária que é ‘um por todos e todos por um’. Embora isso não seja ainda uma marca expressiva, já temos uma trajetória nessa direção.
O professor falou do papel do propósito, que ele aumenta essa vibração intensa que é a felicidade. E o contrário: a pessoa que não encontrou o seu propósito ou que nem pensa nisso, não espera encontrar um propósito para sua vida, tem mais dificuldade para vivenciar felicidade?
Antônio Abujamra, um dos nossos maiores artistas na história, dizia algo para a gente não esquecer nunca: “A vida é tua, estrague-a como quiser”. Desse ponto de vista, o direito a estragar a própria vida com uma melancolia contínua, com uma incapacidade de empatia, com uma recusa à possibilidade de conexão com outras pessoas e, portanto, o estabelecimento de um propósito que ultrapasse a própria sobrevivência como mera sobrevivência, é uma escolha.
Há pessoas que têm dificuldades, turbulências, momentos complexos, mas não adotam a infelicidade como sendo a sua rota. Ao contrário até – mesmo em meio a toda turbulência, procuram elevar a si mesmas numa outra condição. Por isso, a infelicidade como trajetória, como modo contínuo, é também ela uma decisão. De novo, Abujamra: “A vida é tua, estrague-a como quiser ou como desejar”.
O senhor traz a definição de felicidade como uma vibração intensa, momento em que se sente a plenitude, a capacidade de ser inundado por uma alegria imensa. Muitas pessoas descrevem essa sensação quando estão com a família, fazendo um trabalho voluntário, trabalhando, viajando, abraçando seres amados. Essa sensação de felicidade pode ser um norteador para a pessoa saber se está seguindo o caminho do seu objetivo de vida, seu propósito?
É um dos sinais. O meu bem-estar, a minha satisfação, a minha realização em estar sentindo que aquilo permite maior vitalidade, que isso venha à tona. Mas há outros sinais também, que é a apreciação de pessoas, o modo como se partilha a existência, a forma de afeto que se consegue estruturar com outras pessoas, mas um dos sinais mais evidente, pelo menos como avaliação individual, sem dúvida é esse mesmo.
Essa vibração intensa presente com uma certa frequência na vida.
Sim, ela não é contínua, não vem o tempo todo, mas não se ausenta também de modo contínuo e nem o tempo todo. É uma questão também da maneira como se elabora ou se tece o conjunto de relações sociais e o conjunto de relações da reflexão sobre a própria existência.
O senhor explica que é justamente o fato de a felicidade não ser contínua que faz com que a percebamos. Mas mesmo com essa consciência, sabendo que não é possível ser feliz o tempo todo, naturalmente queremos sempre buscar ter mais felicidade em nossas vidas. O propósito pode ser um aliado nessa busca?
O propósito é o único aliado, porque não existe possibilidade de que se vá vivendo de modo robótico, automático e se encontre esses tempos em que vale estar vivo, vale estar dentro da partilha da vida. Portanto, o propósito é exatamente a razão de ser.
Quando as pessoas utilizam a expressão “valeu a pena” – qual pena? A pena da penalidade de uma vida que é difícil, que muitas vezes é agoniante, mas essa pena fica inferiorizada, ainda bem, por momentos que não são exatamente desse modo.
Todas as pessoas são capazes de encontrar a felicidade?
Se desejarem, sim. Nós temos relatos que pareceriam até estranhos de pessoas em situações de absoluta penúria, angústia, miserabilidade ou situações de dor imensa, como num campo de refugiados ou num campo de concentração, que em alguns momentos conseguiram fazer com que a vida não perdesse a possibilidade de, mesmo que de modo episódico, brilhar também.
Que cuidados devemos tomar na vida para não nos perdermos do propósito e da felicidade? Quais as principais ações do cotidiano para esse objetivo?
É uma atitude que tem que ser cotidiana, que são momentos de recolhimento, ou seja, a possibilidade de cessar tudo aquilo que é ruído externo que pode ser cessado e pensar sobre si mesmo, ser capaz de uma reflexão, de uma meditação sobre os caminhos que está tomando; não ter ali uma vida que seja absolutamente automatizada no qual se vá apenas vivendo. É preciso, acima de tudo, dar passos na direção do que constrói, antes de mais nada, um sentido – sentido aí em dupla acepção: sentido como significado e sentido como diversão.
Seguir a felicidade na vida tem influência no estado de saúde das pessoas?
Entendida a saúde como sendo uma totalidade e não apenas de natureza somática, sem dúvida. Eu não tenho um corpo, eu sou um corpo como parte da minha integridade. Meu modo de ser, minha pessoa tem uma multiplicidade de faces e nesse sentido a saúde tem uma natureza integral que ultrapassa a mera expressão de natureza somática. Por isso, a ideia de um bem-estar e, portanto, de um estar bem consigo, com os outros, com aquilo que é o não desperdício da própria existência é marca decisiva para essa condição.
Vamos Pensar!?

Nossos agradecimentos ao professor, filósofo e escritor dr. Mario Sergio Cortella e toda sua equipe que prontamente atendeu nossa solicitação, a todos os que contribuíram compartilhando seus propósito e a você Vivi (obrigada pela parceria e por compartilhar de nossos objetivos e devaneios).
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Colaboração: Lapidando Palavras