“Não pense que tudo vai voltar a ser como antes; nada voltará, porque não tem antes. Cada momento é único e está se transformando. Nós vamos nos transformar nesse processo”
Monja Coen
por Viviane Pereira (Lapidando Palavras)

Em uma sociedade construída sobre a base da competição, vivenciar a colaboração no cotidiano pode ser um verdadeiro desafio. A pandemia que enfrentamos nos faz repensar importantes valores e perceber que as fórmulas competitivas foram desgastadas e já não nos servem mais.
Para onde vamos? Qual é a importância da colaboração? Como podemos trazer essa experiência colaborativa para nossas vidas e o que ela poderá nos proporcionar enquanto indivíduos e para a sociedade?
Essas são algumas questões sobre as quais a Monja Coen nos ajuda a refletir nessa entrevista em que fala da importância de aliar sabedoria e compaixão e de aprendermos a seguir em frente sem desperdiçar as importantes lições que esse momento nos traz. “Nós estamos no planeta Terra, que gira em torno de si mesmo, em torno do Sol, sem parar. A Terra não dá uma paradinha e diz que antes era melhor. É o agora e você está construindo esse agora”.
Viviane Pereira - Qual é a importância da colaboração para a pessoa de forma individual e também para sua atuação na sociedade?
Monja Coen - Nós somos seres humanos vivendo no coletivo, não vivemos sozinhos; formamos nossas tribos, íamos caçar e plantar juntos, sempre vivemos em comunidade. E essas comunidades têm que ser colaborativas. Claro que existe uma certa competição: “eu planto melhor que você” ou “eu tenho mais habilidade na caça”, “mais habilidade na cura”. Esse competir não é para rebaixar o outro, e sim um estímulo para ser melhor. Quando colaboramos uns com os outros, criamos uma sociedade mais harmoniosa. Percebemos atualmente que ficamos tão egóicos, tão individualizados, que nossa sociedade começa a entrar em colapso. Precisamos partilhar o conhecimento. Agora, por exemplo, que temos o coronavírus, se os médicos não compartilharem suas pesquisas, demorará muito para termos resultados, mas se conseguirem compartilhar não haverá um “eu achei”, e sim “eu não preciso fazer de novo porque outro já fez e vou continuar a partir disso”. Tem sido a história da humanidade - colaborando temos mais inteligências juntas, que podem dar resultados melhores para todos.
Vivemos em uma sociedade, como a sra. falou, que privilegia a competição em si e não com a ideia de melhorar para avançar juntos. Essa cultura dificulta o ensinamento da colaboração para as crianças e novas gerações?
Certamente. Vemos uma diferença, por exemplo, no povo japonês que é educado para o coletivo. Quando eles tiveram um tsunami, ninguém saqueou, ninguém brigou, porque tem a noção do coletivo. Se só pode pegar três coisas no supermercado, só pegavam três coisas, compartilhavam o pouco que tinham, porque foram educados desde pequenos com essa noção coletiva. Nós educamos para o indivíduo, para ter vantagem e ser melhor. É uma maneira errônea de educar e acho que está mudando, tanto que sua entrevista vem tratar disso. Por que você me pergunta isso? Porque estamos percebendo que precisamos educar nossas crianças e a nós mesmos para o compartilhar, para a solidariedade. A Igreja Católica fala isso há 2 mil anos, o Budismo fala há 2.600 anos! (risos) E como é difícil para o ser humano entender... Alguns entendem, mas ainda é a minoria e esperamos que a maioria entenda.
Com o coronavírus as pessoas estão começando a ter essa perceção, compreender que afeta todos nós, não tem seleção de classe social, bonito e feio, politicamente correto e incorreto, de quem torce para qual time – é para todos. E se não nos cuidarmos juntos, muitas pessoas vão morrer, inclusive nós. Não tem “Eu sou forte, sou mocinho”. Não. Você pode ficar doente e morrer.
Para não provocar desespero, em todo o mundo as informações foram sendo passadas aos poucos: não sai de casa, não tem mais aula, não tem mais shopping center, não tem mais avião, nem ônibus ou táxi. Você vai ficar em casa. E vai ter polícia na rua avisando e quem sair de casa será preso. Porque a população não entende.
O povo continua passeando, como se estivesse de férias...
A primeira sensação que temos é essa, para mim também foi assim. “Estou em casa, que legal, vou fazer tantas coisas que durante o ano eu não consigo”. Mas na primeira semana não consegui escrever nem um página do meu livro. Fiquei limpando a casa, atendendo telefonemas, mandando mensagens, o que é maravilhoso, porque essa é a prioridade agora.
Sim, conseguir continuar fazendo seu trabalho, ainda no meio do caos, e sem se expor nem expor os outros, é muito bom.
Exatamente – e virtualmente: tem meditação virtual, aulas virtuais, liturgias virtuais. Muitas coisas que podemos fazer. Quando vi o Papa rezando a missa sozinho, falei “olha aí o modelo”. O modelo é esse. Vamos fazer nossas celebrações em casa, de forma simples, que chega mais ao coração do outro.
Quando falamos em colaboração para melhorar uma comunidade, o que isso envolve?
Veja que interessante, acho que foi em Pernambuco, um jovem que começou a trabalhar em uma comunidade carente, e ele dizia: ‘Em vez de você ir ao supermercado e comprar sabonete de marca, tem uma senhora que mora conosco, faz sabonete e é muito bom. Vamos comprar os sabonetes dela e em vez de levar para fora esse dinheiro, vamos pôr na comunidade e ter muito sucesso’. Quando as pessoas começam a se dar conta de que entre aqueles mais próximos de nós, e às vezes as pessoas mais simples, elas têm capacidade de produzir coisas, que não têm rótulos, mas podem ajudar a própria comunidade, então essa comunidade deixa de ser uma favela para ser uma nova área de uma cidade. Há vários episódios como esse. Teve um senhor, creio que em Bangladesh, que fazia empréstimo para mulheres carentes. Eles não pensam “Vou ficar rico e poderoso” e sim “Como eu ajudo essas pessoas a sairem da miséria?”.
O colaborar é esse pensamento em que eu vejo o outro, ele me comove e eu preciso fazer algo a respeito. Temos hoje em dia jogos colaborativos. Estive uma vez com um senhor do Canadá que criou jogos cooperativos para colaborarmos uns com os outros, sem competir: ou ganhamos juntos ou perdemos juntos. Essa é uma ideia que o Leonardo Boff defende há anos. “Ou ganhamos juntos ou perdemos juntos”.
O planeta Terra, o coronavírus, tudo é consequência do que estamos criando sem perceber. Não é com má intenção; é porque pensamos pequeno, individual. Quando você sai do pensar individual e pensa no coletivo, muda tudo. Não é bonito que os médicos da China foram para a Itália ajudar? Eles não se trancaram na China dizendo: “Hahaha, vocês que se danem, vocês estão longe, somos comunistas e vocês não são, que morram mesmo”. Não tem esse pensamento.
O colaborar é fazer um mundo mais harmonioso. Essa era a proposta da Nações Unidas, mas não conseguiu porque estão no egóico, o eu vem primeiro.
Cada um querendo para o seu país primeiro.
Sim, e a gente viu que não tem fronteiras, que não tem “meu país”. O vírus está aí para nos mostrar que somos todos seres humanos, que não há diferença do chinês para o português (risos), que temos características semelhantes; não somos iguais, mas somos semelhantes e estamos sujeitos às mesmas doenças. O momento é de nos unirmos e percebermos que estamos interligados a tudo e a todos. O Buda falava isso há 2.600 anos.
Nós, eu, a grande Terra e todos os seres, juntos, nos tornamos o caminho. Essa é a frase de um ser que se ilumina, do abrir da consciência. Enquanto eu penso pequenininho, no egóico, para um grupo pequeno de pessoas, estou muito limitado; quando sou capaz de ter essa expansão de consciência, meu coração de compaixão também se expande junto. E aí vamos começar a cuidar.
É importante nesse momento dizer que esse cuidar não quer dizer descuidar de mim, que vou sair sem máscara para ajudar alguém (risos).
Vários pacientes serão atendidos no Pacaembú, é perto do templo, imagina que eu saia e vá lá toda faceirinha, chamar a mídia e dizer: “olha, eu sou a monja legal, vim fazer uma benção para essas pessoas”. Isso é absurdo e tem pessoas fazendo isso. A verdadeira compaixão é invisível, não precisa de prêmios nem medalhas. Há um texto muito lindo, antigo, que diz “A verdadeira compaixão é como se, de noite, você pegasse o travesseiro que caiu”. Você não fica exibindo para todo mundo. Vem de dentro para fora e faz o que está no seu coração.
É a atitude de olhar ao redor para ver no que podemos ajudar nesse momento difícil?
Sim. Quem tem um restaurante, se não está vendendo ou tem sobra de comida, dê para os pobres. Faça comida e doe. Nos Estados Unidos tem um senhor com uma destilaria e em vez de fazer uísque vai fazer álcool para ajudar as pessoas. Há coisas bonitas acontecendo.
Tem uma médica que mora em um prédio próximo e avisou que está em casa e quem precisar pode telefonar para ela. Essa disponibilidade é colaborar.
Tenho um aluno que é médico de família no Rio Grande do Sul, professor universitário, ele mandou uma mensagem dizendo: ‘monja, eu estou em prantos, estou exausto, atendi tanta gente, tenho falado com tantas pessoas, há tantas perguntas, tanto desespero, e a gente vai acolhendo tudo e diz faça isso, faça aquilo, e estou aqui sentado dez minutos para chorar’. E enquanto ele estava chorando, as pessoas saíram nas janelas para aplaudir os médicos, aplaudir os bombeiros. Está acontecendo muita coisa bonita e reconhecemos os que estão se expondo pelo coletivo.
Falamos em compaixão. Quanto ela eleva o ser, dá sentido à vida e mexe com nossas emoções, trazendo felicidade?
Quando cuidamos, somos cuidadas. Cada vez que temos uma atitude egóica, precisamos ficar nos desculpando, porque não é da nossa natureza. A nossa natureza é o cuidado e foi abafada por uma sociedade muito competitiva e também por uma questão de poder, porque se as pessoas estão colaborando unidas é muito difícil manipular. Você manipula uma massa que esteja com medo. Uma população dividida brigando entre si é muito fácil de ser controlada. Se as pessoas estão unidas e se ajudando mutualmente, ninguém vai manipular, porque você conversa, raciocina, filosofa. Aprende a pensar.
Essa é a grande mudança que, acredito, a colaboração e a educação devem promover. Daí surge a compaixão. Sua santidade, o Dalai Lama, uma vez disse: ‘A compaixão nem sempre é visceral’. Visceral significa que vem de dentro de você. Você vê uma pessoa sendo abusada, maltratada, uma mulher, um homem, uma criança, um cachorro, uma árvore. Você sente compaixão pelo vitimador? Não, sente pela vítima. Nos colocamos na posição do cachorro que está sendo espancado, da mulher que está apanhando. Mas o agressor é vítima de uma sociedade de violência, e só quando você for capaz de sentir compaixão por aqueles que são errôneos, pelos que não despertaram, terá a verdadeira compaixão.
Não significa que você dá um tapinha no ombro e fala: “Ah, tá tudo bem”. Não, não está. Arrependa-se. O agressor vai preso, terá que refletir sobre o que fez, chegar no ponto de perceber sua falta e se arrepender. Arrepender-se significa um compromisso de transformação, não é só pedir desculpa.
Compaixão é se identificar COM o outro. Com – paixão. Compaixão com o sofrimento e com a alegria. O seu contentamento me alegra – pessoas invejosas, quando vêm os outros felizes, tendo sucesso, sentem inveja, querem destruir. Isso não é compaixão. Compaixão é ter uma pessoa que conseguiu sucesso ao seu lado, que até competia com você, e dizer: “Você merece”. E lá dentro você pensar ‘O que eu faço para também conseguir isso?” e não “Eu odeio, ela não presta, ela namorou não sei quem” (risos).
Não ter pensamentos perversos, não deixar que eles surjam, é compaixão também. A compaixão não é só o ato, o gesto - é o pensamento, a palavra. O pensamento de que eu não critico ninguém, eu não julgo ninguém, eu compreendo. E não é só você que faz isso, mas toda a sociedade. Uma sociedade violenta e agressiva faz com que seus membros se manifestem com violência e agressividade.
Um sutra antigo de Buda diz que quando você invoca a verdadeira compaixão, nada pode lhe fazer mal, porque você não tem intenção de revidar, de destruir o outro, mas de compreender, acolher e transformar.
Muito bonito. Como promover isso na sociedade?
É lindo. Não temos isso naturalmente porque nossa cultura é muito competitiva e abafa, criando pessoas para competirem. Para mudar e vivenciar a colaboração cotidianamente, as pessoas mudarem a forma de pensar e agir, precisa mudar muita coisa. Imagina esses programas de competição na TV, em que as pessoas falam mal umas das outras para vencer, com grande audiência, se todos colaborassem em vez da ideia de colocar o outro para baixo, seria muito melhor.
Há aquela história das crianças na África que estavam em uma competição e quem chegasse primeiro embaixo da árvore ganharia uma cesta de doces. Todas correram para a árvore e quem chegou primeiro sentou e dividiu as guloseimas com os outros. Isso é colaborar.
Estimulamos a competição o tempo todo, em casa, na escola, na TV. Quem tem capacidade melhor em algo, como Matemática, poderia ajudar os outros que não entendem. O que joga bola bem ensina e todos vão cooperar, ajudar uns aos outros em vez de tentar chegar em primeiro lugar.
Ou formamos times vencedores ou todos afundamos. Isso vale para empresas também. Por que estão me chamando tanto para fazer palestras? É sobre colaboração. Vamos colaborar, não esconda a informação para ter mais poder, compartilhe. Não agir como se estivesse jogando futebol e não quisesse passar a bola achando que o outro não sabe jogar.
Ou como se o outro fosse de outro time.
Pois é. E não ter raiva do outro time, porque se não houver outro time, não tem jogo. Quando vence, a pessoa agradece; quero ver agradecer também por ter perdido. Isso é religião verdadeira, isso é fé. Cumprimentar o vencedor com alegria, dizendo: “Hoje vocês estavam melhores do que nós”. Não sair todos chorando. É um treinamento errado.
Atletas precisam aprender a ganhar e a perder, mas jogar bem, com alegria e contentamento pelo jogo da vida. É isso que nos falta. Fica só o ‘tem que ganhar, ser poderoso, ter lucro’.
Agora, o que o coronavírus nos diz? O que é mais importante?
Cada vez que entra um novo governo, em qualquer país, as pessoas comentam quem será o ministro das Finanças, da Fazenda. Eu pergunto quem será da Educação e da Saúde, que eu acho mais importante, porque isso vem antes do dinheiro.
Como ensinar esses valores importantes?
Precisamos encontrar equilíbrio na forma de educar, nem com rigidez nem muito suave. Esse ponto de equilíbrio é a sabedoria. E sabedoria não é uma coisa que você aprende em livros, lendo textos. Têm pessoas que não sabem ler e escrever, e são sábias
Educação ambiental está em primeiro lugar. Não sujar os rios nem as águas, não jogar papelzinho de bala na rua. Se fosse só papelzinho de bala, né… Jogam cobertores, garrafas PET, os bueiros estão entupidos. Aí as pessoas ficam todas embaixo d’água e a culpa é do governo? A culpa é de todos nós. Do governo também, mas de todos nós, porque não sabemos colaborar, cooperar, não percebemos o outro, nem a nós mesmos percebemos.
Por isso a meditação, o Zazen, ajuda. E não sou só eu quem penso assim. O historiador israelense Yuval Harari disse a mesma coisa. Quando as pessoas começarem a meditar, ter essa expansão de consciência e compreender que estamos interrelacionados com a abelha, com a barata, a árvore, o chão, com o vizinho, com a pessoa lá da China, que todos nós sejamos um só corpo, nós vamos nos cuidar melhor. Quando acho que estou separado, tirando vantagem, vou me afundar, afundar minha família, afundar meu país. Tinha um professor maravilhoso no Japão que disse: “Quando você abre suas mãos, nelas cabem todo o Universo”. Quando você fecha, segura uma só coisa, fica limitado.
Assim construímos a base da colaboração?
A proposta do colaborar é isso. Compaixão é isso, o cooperar é isso. Vamos fazer juntos. Esse “co” é o mesmo de co-mpaixão – estamos juntos, não separados.
O que precisamos fazer para passar por esse período difícil, de grandes desafios, levando essa ideia de estarmos juntos?
No momento dessa pandemia, as pessoas estão ficando mais unidas. Há muitas pessoas nervosas, porque não sabem o que é tudo isso, o ritmo da vida mudou, temem ficar sem dinheiro. Começam as brigas. Tem o medo do desemprego, da fome, de tudo que isso representa. É importante agora acalmar todos e dizer: “Estamos juntos”. Se faltar na sua casa, bate na minha porta, telefona que eu deixo um saquinho na porta da sua casa. Se eu tiver, te ajudo. As pessoas precisam sentir que estamos juntos e nos comunicamos, seja pelo telefone, pela televisão, pelos computadores, pelas janelas.
Podemos ouvir música, mas não ficar ouvindo o dia inteiro. Ler o trecho de um livro, mas não queira ler o livro inteiro de uma vez. Sinta o sabor dessa leitura, deixe um pouco para depois. Vá cozinhar. Há quanto tempo não cozinha? Queimou a comida? Tente outra vez. (risos)
Se você está morando com alguém, não briguem. É fácil ficar irritado porque mudou a rotina e brigar com quem convive mais intimamente. Não preste atenção nas faltas do outro; preste atenção nas qualidades. Isso vale para sempre e principalmente nesse momento.
O que mais é importante nesse momento de pandemia?
Precisamos lembrar que é um vírus severo que pode levar à morte. Para mim, se uma pessoa morrer já é muito. Quando falam que vão morrer 10%, 5%. Quanto é 1% da população do Brasil? São muitas pessoas, uma multidão. Não queremos que ninguém morra, então vamos minimizar o contágio enquanto estão pesquisando remédios.
Divulgaram que um remédio era bom e as pessoas foram nas farmácias e acabaram com ele. É um absurdo isso. Esse é o egóico, porque você só deve tomar remédio quando o médico indica. Tem gente que é malvadinha, põe fake news só para se divertir. Pessoas que são insatisfeitas, de pensamento pequeno, querem sentir poder e então inventam uma mentira qualquer e falam: ‘Acabou o remédio que eu falei, viu como eu sou poderoso?’. É alguém que não tem autoestima e devemos nos apiedar dessas pessoas; elas devem ser presas, os computadores confiscados, mas não devemos sentir ódio, porque às vezes ela é vítima de uma sociedade de exclusão, que se sentiu excluída na escola, excluída dos amigos e agora precisa mostrar para o mundo que tem poder.
A nossa psique precisa ser conhecida e por isso digo que a meditação, esse olhar para si, é uma oportunidade que temos agora. Pelo menos uma vez por dia, por dez minutos, sentar-se com a coluna ereta e observar como está respirando e sua mente. Conhecer-se em profundidade. Perceber quando tem seus momentos de alegria e de tristeza, o que lhe provoca a responder com irritação ou não, conhecer primeiro, para depois escolher a resposta que você vai dar ao mundo.
Eu e o Harari, e não só nós dois, acreditamos que a mudança social, política e econômica vai acontecer quando houver esse despertar da consciência. Inúmeros autores falam disso há muitos e muitos anos.
Algumas pessoas já despertaram e esses têm o dever de facilitar o despertar de outros seres. Mas não é batendo, prendendo, xingando, ofendendo, desprezando e odiando. É com ternura, amor e carinho, como você educa uma criança ou um cachorrinho. É dizendo: “Você tem qualidades, você pode”.
A pandemia pode ajudar esse despertar?
Algumas pessoas estão na expectativa de que o coronavírus possa ser o elemento que promova essa ligação na mente da humanidade. Eu gostaria que fosse, mas não confio inteiramente nisso (risos). Porque nós esquecemos, como a mulher que tem um filho – ela sente a dor do parto. Eu tenho uma filha, eu sei, dói (risos). Se a gente não esquecesse a dor, todo mundo só tinha um filho. A gente esquece.
Passamos por uma pandemia terrível, estamos assustados, com medo, nervosos, ansiosos, é natural. Não devemos ficar 24 horas por dia remoendo isso. Têm muitas coisas que podemos fazer dentro de casa: museus para visitar pela internet, viajar online pelo mundo inteiro, viajar para sua própria mente. Não ficar se embriagando com drogas, comida, muito açúcar. É um momento para refletir, criar uma rotina legal, tanto de alimentação quanto de atividade física em casa. Há inúmeros professores de Yoga, pilates, atividade física dando aula. É reservar uma hora por dia para cuidar do seu corpo, porque isso já vai mexer na sua mente e quando você sentar para meditar, estará trabalhando também mente e corpo, porque os dois não estão separados.
Minha proposta é que nesse momento a gente permita a expansão da consciência, perceba o que o vírus está nos dizendo, que não há fronteiras, não tem diferenças sociais ou políticas, não tem etnias. Somos um só povo, o povo da Terra, filhos e filhas da Mãe Terra.
Quando a pandemia acabar, que lições devemos levar para ter uma sociedade mais colaborativa?
Acho que a principal lição é essa: que nós precisamos colaborar, é a única maneira de sairmos dessa, e de muitos de nós não morrermos nem contaminarmos muita gente. Seguirmos os protocolos que estão sendo pedidos. Muitos vão dizer que fazem o que querem, pois são livres. Há uma frase de Santo Agostinho que diz que liberdade é fazer o que eu não gostaria de fazer. Nossa liberdade agora é de ficar em casa. Nós podemos sair na rua e ir à praia. Mas escolhemos não ir à praia, não ir para a rua, porque com isso estou minimizando o contágio na população.
Precisamos fazer o que é adequado, o que é correto. Sabedoria e compaixão têm que caminhar juntas, para ter uma visão clara da realidade e atuar de forma adequada, com ternura, sem raiva, sem rancor. Não sabemos quanto tempo precisaremos ficar em isolamento. Em vez de reclamar, vamos apreciar. Quantas pessoas passam por uma detenção e conseguem melhorar? Podemos fazer de nossas casas templos sagrados que continuem sendo quando tudo isso terminar. Não jogue fora o que você vai aprender nesse período.
Não pense que tudo vai voltar a ser como antes; nada voltará, porque não tem antes. Cada momento é único e está se transformando. Nós vamos nos transformar e nos modificar nesse processo. Então, não queira ir para trás, mas para frente. Nós estamos no planeta Terra, que gira em torno de si mesmo, em torno do Sol, sem parar. A Terra não dá uma paradinha e diz que antes era melhor. É o agora e você está construindo esse agora para ter presença pura; presença pura é igual sabedoria.
O que estiver fazendo, faça completamente, inteiramente, focado, com prazer, com alegria. Limpar o chão ou lavar um pano de chão pode ser uma coisa muito gostosa. Há coisas lindas às quais não damos valor e são importantes.
Aprecie a vida e faça tudo que você pode fazer agora. Também temos que perceber nossas insuficiências, que a gente necessita dos outros. Não é que eu me fecho na minha casa e sou autossuficiente, eu faço tudo. Não. É o que vou pedir de apoio, porque às vezes precisamos ouvir uma outra voz, um som diferente, e vamos apreciar que somos muitos. Que assim seja.