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A frustração nossa do dia a dia

Coluna Farol - quinta-feira, 30/01/2020


Todos já vivemos momentos de frustração - seja em casa ou no trabalho, com a família, amigos ou instituições (quem nunca perdeu horas na fila do banco?). Seja a complicação que nos faz perder o ônibus, a promoção no emprego que foi adiada ou aquela vez que tivemos que mudar nossa agenda para conseguir comparecer a um evento (apenas para descobrir que o evento foi cancelado e não nos comunicaram), as frustrações fazem parte do nosso cotidiano - e isso é normal.


Como pessoas, nós temos necessidades e desejos, queremos fazer coisas ou desejamos que as coisas fossem de outro jeito, e a partir disso criamos expectativas para nós mesmos e para o mundo. Entretanto, as situações da nossa vida não se dobram aos nossos desejos e podem ser bem diferentes do que queremos - não só muitas vezes não temos controle sobre o que vai acontecer, mas também nem temos como saber o que vai acontecer, e isso gera incertezas. Além disso, acontece também de termos que nos adaptar às exigências externas, fazendo tarefas que não realizaríamos por vontade própria ou tentando negociar nossos desejos nas relações sociais. A frustração é uma resposta natural a essas expectativas frustradas, a esses desejos não realizados, a essa percepção da falta de controle e incerteza.


Em contrapartida às frustrações externas, existem também as internas: nossas mentes são uma coleção complexa de ideias que adotamos e elaboramos, e por isso pode ser o lar de duas visões, objetivos, ou valores conflitantes: podemos querer fazer algo mesmo sabendo que não é o certo ou que não nos orgulharíamos disso, podemos querer ficar com alguém mesmo sabendo que nos faria mal, podemos saber que acreditar em algo sobre nós mesmos nos trará consequências ruins mesmo não conseguindo deixar de acreditar naquilo.


Por fim, no meio do caminho entre as frustrações externas e internas, existem aquelas que residem na interação entre as pessoas e o ambiente: quando não estamos adaptados ao nosso ambiente, quando divergimos consideravelmente das ideias e valores das pessoas em volta, isto também pode ser fonte de frustração.


A frustração é algo que nos acompanha desde bebês: quando chegamos no mundo não sabemos nada, tudo é novo, e com o tempo vamos ganhando alguma familiaridade com o jeito como as coisas funcionam. Entre estes aprendizados iniciais está o fato de que nosso desejo nem sempre é realizado. Para Winnicott, psicanalista e pediatra, a fase do desmame pode ser vista como um modelo de como as pessoas encaram a vida posteriormente. O bebê chora, pedindo pelo seio materno, e a mãe lhe dá leite. No desmame, as expectativas do bebê de ser atendido precisam ser frustradas, mas gradualmente. Se as expectativas não forem frustradas, isso pode gerar uma ilusão de onipotência - o mundo passa a ser uma extensão do desejo do bebê, onde basta a ele desejar para conseguir o que quer. Por outro lado, se forem frustradas de modo abrupto, pode gerar desamparo: o bebê aprende que nada do que faz causa alguma mudança no mundo, e que seus desejos, não importa quais sejam, nunca podem ser satisfeitos. Quando o desmame é realizado adequadamente, o bebê aprende que a realidade e ele são duas coisas diferentes. Nem tudo está sob nosso controle, nem tudo acontece como desejamos.


Na nossa vida cotidiana, a frustração pode ser algo positivo se soubermos responder a ela de modo adequado: se ela acontece com frequência e nas mesmas circunstâncias, pode ser um sinal de que algo não vai bem, que as estratégias que usamos para enfrentar um problema podem não ser as melhores - basta pensar em quando tentamos resolver conflitos familiares brigando, o que deixa todos os lados envolvidos frustrados. Se isso é um padrão na interação entre a pessoa e a família, talvez mudar o jeito que reagimos possa gerar bons frutos. Está ligado a esse papel da frustração o fato de que ela pode nos ajudar a não ficar acomodados, nos incomodando e fazendo querer coisas diferentes - se todos os nossos desejos fossem satisfeitos não teríamos por que procurar coisas novas, não teríamos por que desejar.


Tudo bem, mas sabemos que longe de ser vista como algo positivo, a palavra “frustração” passa mais uma ideia negativa - e por quê? Porque aprendemos a lidar com as emoções copiando nosso ambiente, e existem vários exemplos à nossa volta de modos improdutivos de lidar com a frustração: há pessoas que criam um ideal inalcançável, e o choque com a realidade faz com que vivam em constante tensão; há casais que deixam que as frustrações no relacionamento se tornem ressentimentos mútuos em vez de resolvê-las através da comunicação; há pessoas que não olham para as causas de suas frustrações, ao invés disso apenas extravasam sua raiva quando se frustram, e desse modo a raiz do problema continua no mesmo lugar; há pessoas que se limitam à sua perspectiva de vida e se frustram porque tentam impô-la em todas as situações de sua vida, não sabendo escolher suas batalhas e negociar as frustrações; há pessoas que se comparam com as outras, e não levam em conta que suas condições e objetivos diferem; há pessoas que não conseguem viver com a incerteza e tentam controlar sua vida ou parte dela para não correr riscos, mas acabam desmoronando quando acontece algo que vai contra seus planos.


Grande parte das frustrações podem ser entendidas como uma falha na realização de um desejo ou na comunicação. E quando a satisfação de um desejo ou a comunicação falham, apela-se a outros recursos - à agressão, às atitudes passivo-agressivas, à fuga da situação, à ansiedade, à perda de autoestima ou, quando todos os outros recursos falham, à ausência de respostas e ao sentimento de desamparo, a sensação de que nenhuma resposta ao problema é útil.


Frustração por muito tempo ou muito intensa pode levar ao desamparo, que é um sentimento associado à depressão. Se não lidamos com nossas frustrações de um modo adequado, ignorando suas causas, elas podem acumular e crescer até que não possamos mais ignorá-las - como se colocassem uma árvore todo dia na frente de sua casa, e você não percebesse, até que um dia você acorda e vê que tem uma floresta do lado de fora! Se as frustrações trazem um incômodo, é bom não nos acomodarmos nele, pois um problema pequeno se torna grande depois e os pequenos acabam parecendo maiores do que realmente são. Quando convivemos muito tempo com algo, aquele algo se torna nosso novo normal.


O mundo que a internet nos proporcionou trouxe situações novas e exacerbou antigas. Não é exagero dizer que nosso uso da internet condiciona nossos desejos - seja pela propaganda online, seja pela exposição da nossa vida aos outros e vice-versa, seja pelo constante fluxo de informação, mas talvez mais do que tudo pela capacidade de satisfação instantânea - não existe mais o período de desejar e sonhar, o período de incerteza, tudo isso pode ser ultrapassado com alguns cliques, e o desejo se realiza como mágica. Por conta disso, nos desacostumamos a nos frustrar, e um exemplo disto é que basta não ter como pesquisar uma dúvida que está na nossa cabeça para tirar nosso sossego.


Mas então, como podemos lidar com a frustração de um modo produtivo? Bom, um primeiro passo é identificar em que situações ela vem ocorrendo, tirar o tempo para olhar para si mesmo e como você reage às situações frustrantes, e em que circunstâncias. Depois disso, tentar fazer perguntas sobre isso e respondê-las, porque perguntas podem nos dar um direcionamento: “O que eu estava sentindo naquela hora?”, “Por que estava me sentindo assim?”, “O que poderia fazer para evitar isso?”, “O que eu quero nessa situação?”, “Que objetivo não está sendo alcançado?”, “O que está em meu controle para mudar isso?”. É importante sabermos o que podemos mudar e o que não podemos, de que situações podemos nos retirar e de quais não podemos.


Como já foi dito, uma frustração que se repete pode ser encarada como um sinal para mudar de estratégia, e encontrar uma maneira efetiva de lidar com ela, que não apenas nos faça extravasar a raiva ou a tristeza no momento, mas que vá atrás das causas do problema, é um passo para ter menos frustrações no futuro e aprender a negociar as frustrações (“Talvez, se eu me frustrar agora, eu me frustre menos depois”). Neste processo, a terapia pode ajudar.


No fim das contas, lidar com a frustração se resume a aceitar que não temos controle de tudo que gostaríamos, mas que sempre há algo sob nosso controle, mesmo que seja como reagir às coisas fora do nosso controle.


Vinícius Pereira Mancebo Gomez é psicólogo formado pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Nas horas vagas gosta de ler, programar e tocar violão.

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