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Um encontro muito raro: pacientes de doenças raras e especialistas confraternizam


Foi em clima de companheirismo e muito compartilhamento de informação que se realizou o 10º Encontro todos pelos raros, promovido pelo Instituto Vidas Raras anualmente no final de fevereiro, em homenagem ao Dia mundial das doenças raras, dia mais raro do calendário: 29 de fevereiro.


Antes de começarem as apresentações, alguns pacientes se abraçam e matam as saudades: “Poxa, desde o encontro do ano passado eu não te via”, diz um. “Que prazer conhecer você pessoalmente – já sigo seu perfil nas redes sociais”, empolga-se outra comprovando a importância desse momento para o grupo que representa cerca de 8% da população mundial, as pessoas que têm algum tipo de doença rara, que é, por definição, uma doença que afeta uma pequena porcentagem da população, sendo a maioria genética (80%), presente durante toda a vida, ainda que não haja sintomas. Segundo o Ministério da Saúde, são consideradas doenças raras as que afetam 65 pessoas em cada 100 mil, ou 1,3 pessoas a cada 2 mil.


Era assim, compartilhando perfis do instagram que Vanessa Giovana Vasques, 34 anos, conversava com a colega recém-chegada que já lhe conhecia da rede social. Vanessa explica que tem XLH (hipofosfatemia), doença que afeta os ossos, músculos e dentes pela perda excessiva de fosfato pela urina, levando a baixos níveis de fósforo no sangue. Conta que sente dores crônicas e por conta da doença sofreu diversas fraturas. “Já fiz dez cirurgias ortopédicas, reaprendi a andar 16 vezes”, revela.


Para enfrentar a dor, toma derivado de morfina, mas avisa que não chega a passar; apenas melhora. “Existe um medicamento biológico, que é de alto custo – se o paciente toma desde criança, não precisa de cirurgias. Mas esse medicamento ainda não é incorporado pelo SUS. Precisamos dar visibilidade para as doenças raras, falar da falta de acessibilidade e da dor crônica”. Ela afirma que o desconhecimento leva a situações difíceis, como quando está em uma fila preferencial e as pessoas chegam para dizer que ela não parece ter motivo para estar ali. Vanessa precisa explicar que devido às dores não aguentaria ficar em pé por muito tempo e muitas vezes não acreditam. Depois de suspirar profundamente recordando situações que vivenciou, dá um sorriso, lembra que mesmo com tudo é preciso ter alegria e convida a seguir seu instagram @borboleta.xlh.


É também com um sorriso que Camila Tapia, 36 anos, conta empolgada do seu Canal Paro Raro, que usa para falar da sua doença, Ataxia de Friedreich. Seu diagnóstico chegou quando tinha 28 anos, mas lembra que aos 25 anos começaram os sintomas. “O maior desafio é o diagnóstico; a rede pública não está preparada para identificar. Eu levei três anos para ter o diagnóstico fechado”, afirma. Ela acredita que a forma de melhorar essa situação é as faculdades terem doenças raras como matéria, além de mais medidas públicas. “Precisamos levar essa realidade para a população em geral, promover ações para a sociedade conhecer, difundir na mídia. Até meus 25 anos eu nem imaginava o que eram doenças raras”.


Uma luta por vida em abundância

O hino nacional marca o início do encontro e assim que a música termina, a vice-presidente do Instituto Vidas Raras abre o evento lembrando que tal qual como registra a letra do nosso hino, nós não fugimos à luta. “Brasileiro é como água, quando encontra uma barreira, busca outro caminho. Cada um aqui escolheu essa opção de vida, de ajudar”, ressalta Regina.


Especialistas de diversas áreas apresentam durante todo o dia informações importantes para pacientes, dirigentes de associações, profissionais da saúde que ocupam a plateia do auditório no Memorial da América Latina. Infelizmente o tom de festa precisa encarar a realidade e a pauta inclui o momento sombrio vivido com falta de medicamentos e tratamentos. Como são muitas as doenças raras no mundo – a estimativa é que existam de 6 mil a 8 mil tipos diferentes – é importante, destaca Regina, unir para fortalecer, explicando que o instituto é parceiro de quase 70 grupos e associações de pacientes e que uma preocupação constante é cuidar para ajudar as associações a crescerem. “Lutamos pelo diagnóstico precoce, para que todos tenham vida em abundância sem sequelas”.


Marinalva Cruz, secretária-adjunta da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, reforça a importância da união de esforços. “A dificuldade do diagnóstico precoce leva a muitas sequelas, comprometimentos que poderiam não existir. Temos pequenas iniciativas que precisam continuar avançando. O diagnóstico precoce pode evitar muitas limitações. Vamos continuar batalhando para diagnóstico com antecedência, para mais qualidade de vida”.


“Desses encontros eu me alimento e fortaleço, conhecendo pessoas resistentes, persistentes, que não desistem de lutar”, revela Lígia Maria Soares, coordenadora estadual da área técnica da Saúde da Pessoa com Deficiência e coordenadora do Comitê Gestor da Rede Lucy Montoro. Ela enfatiza que a política de doenças raras é prioridade e comenta os três serviços habilitados que são referência em raras. “Temos a Faculdade de Medicina do ABC, a Unicamp e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, centros onde as pessoas com doenças raras são diagnosticadas e acolhidas com a tecnologia disponível”.


A secretária de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Célia Leão, lembra que na essência somos todos iguais e que ter diferença é apenas uma característica, não um problema. “O ser humano precisa ter o poder de transformar a vida para melhor e é o que estamos fazendo aqui”.


O encontro abordou em suas palestras diversos temas importantes, como as políticas públicas para doenças raras, os procedimentos especiais da Anvisa, estudos clínicos e novos medicamentos, pesquisa clínica e terapias gênicas, o grande desafio da falta de medicamentos, o teste do pezinho e a triagem neonatal, a importância da atenção primária e a capacitação na ponta e a divulgação de informações até mesmo para as equipes médicas.

Visão do paciente

Para encerrar o evento, vários pacientes e representantes de entidades fizeram suas manifestações, como a Maria Clara: “Viver com doença rara é participar de uma maratona diária.




Acessibilidade não é só para cadeirante. Onde passa cadeirante, passa grávida, muleta, carrinho de bebê. Precisamos de acessibilidade no transporte, na escola, no lazer. É difícil para a criança, que enfrenta preconceitos. É preciso entender a diferença entre independência e autonomia. A pessoa com deficiência não tem independência, depende de ajuda para muita coisa, mas tem autonomia, por exemplo, de escolher que roupa vestir. Pergunte para ela. Eu raciocínio, posso responder. Precisamos combater a invisibilidade e a inclusão social começa na família. As pessoas precisam entender que é através das diferenças que a gente cresce”.


“Deram vários prazos de validade para o meu filho, como se fosse um produto. Não deveriam ter falado aquilo para mim, nem para nenhum pai. Comprei uma briga tão grande por ele, e não só pelo Gianlucca, mas pela comunidade, em prol de medicamentos. Disseram que ele nunca sairia do respirador e hoje ele fica seis horas fora. Disseram que ele nunca ia sair de casa, ele viaja, vai em estádio de futebol. Eu não podia desistir porque não lutava só por ele, mas por ele e centenas de crianças. Avançamos, temos tratamento aprovado no país, o que muda o prognóstico. Sei que se meu filho vai sorrir, outras crianças vão sorrir também”, diz Renato Trevellin, presidente da Associação Unidos pela Cura da AME.


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Colaboração: Lapidando Palavras

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